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Porque todo o texto literário tem a sua história, veio-me à ideia, revelar as razões que levaram à escrita do poema, desta postagem.
O facto poético que inspirou o texto, é dos domínios do reconto oral.
A estória é simples:
um velho almirante, de visita à cidade, pediu a um amigo para o levar ao Cabo de S. Vicente.
Aí chegados, com o esboço dum sorriso a bailar-lhe nos olhos durante uns instantes, o almirante olhou em silêncio a imensidade daquele mar redondo, e depois disse em voz contida e embargada:
– João... é a última vez que vejo este cão!...
Voltaram para Lagos e pouco depois, o velho lobo do mar morria.
.* * *
...
Olhava pela última vez o mar
porque ontem é a abstracção da ambiguidade
e a última vez já é hoje
no vácuo de ontem, sem sofisma ou bruma.
.
Olhava-o e sorria
não fora ele ainda uma criança
sem medos, sem o drama
de olhar o mar pela última vez.
.
Aí nascera
sabia-o há milhões de anos
depois do colapso dos dias
.,
como o vento das searas
e a nuvem que esbate o céu
.
na onda que dissolve as noções de tempo
nos silêncios, na bruma da claridade
.
a abstracção de ontem
a última vez a ver o mar
em seu silêncio
.
o colapso do tempo
já hoje.
inédito