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sexta-feira, 21 de março de 2008

OS VAGABUNDOS DA SORTE






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Vinham de longe, duma lonjura distraída,
os pés doridos por cima de pedras
impassíveis às chuvas que se avizinhavam,
vultos frágeis de vertigens, entre sóis e abismos,
para semear ruínas sobre as horas inertes, sem data.
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Seguiam pelo caminho estreito afeiçoado aos séculos,
enquanto uma sombra passava sobre o sol moribundo
e um rio macilento se afogava de nudez, no seio da serra.
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Traziam fantasmas de medo nos olhos,
o frio das trevas longamente vividas em profundezas
de claustros cheios de incenso,
no decurso das tempestades nascentes,
e nos relâmpagos de génios incendiados
que logo se apagam e que deixam no ar o sabor amargo
da náusea, o torpor do ópio.
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Eram os vagabundos da sorte, filhos do esquecimento,
enredados num mar de escolhos,
até às últimas madrugadas destes dias.
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Traziam tudo o que para eles já fora perdido,
ou inimaginado de perder.
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Nada ficava de fora, nem a agonia das formas ainda vivas.
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Mas ainda e sempre, traziam em si a levedura do sonho,
que faz advir o pão imperioso,
na patética travessia dos desertos,
para derribar,
rasar,
alisar as montanhas que se vêm ao longe,
dentro da alma.
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inédito
(desenho do autor)

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